Depoimento. "Até pagávamos as compras do supermercado a crédito": como Bruno se endividou.

Série: A Espiral do Superendividamento [2/3] - Compre agora, pague depois. Em poucos minutos, é possível obter um empréstimo considerável através do crédito ao consumidor. Mas por trás da promessa desse impulso financeiro, às vezes, esconde-se uma espiral de dívidas difícil de quebrar. Bruno relata sua experiência e seus anos de luta.
Foi na década de 1990 que Bruno (*) conheceu sua esposa. Morando na região do Mosela, eles planejavam formar uma família, apesar da instabilidade profissional. "Tínhamos decidido que eu seria o único a trabalhar, mas eu vivia alternando entre contratos temporários e períodos de desemprego. Nos vimos em uma situação financeira difícil; não conseguíamos mais pagar o aluguel e, além disso, precisávamos de um carro novo", lembra o homem, na casa dos sessenta anos. Então, eles fizeram seu primeiro empréstimo no banco, com juros de 5%.
Mas com o nascimento do filho e o emprego ainda instável, Bruno decidiu mudar de carreira e conseguiu um emprego no setor automotivo na Alemanha. Rapidamente obteve um contrato permanente e um salário considerável, o que lhes permitiu respirar um pouco mais aliviados, pagar o empréstimo e desfrutar de uma vida mais confortável. "Então pensamos: por que não aproveitar um pouco a vida agora? Fizemos um empréstimo rotativo para comprar coisas como uma geladeira americana. Na época, custou cerca de 10.000 francos, mas pagávamos apenas 500 ou 600 francos por mês, o equivalente a 90 ou 100 euros por mês", explica Bruno.
Taxas de juros de até 20%Uma linha de crédito rotativa, também chamada de crédito rotativo ou crédito permanente, é uma reserva de dinheiro disponibilizada por um banco ou instituição financeira. O tomador do empréstimo pode usar todo ou parte desse valor livremente, a qualquer momento. Ela é reposta à medida que os pagamentos são feitos, por isso é fácil acumular dívidas sem perceber . Geralmente, não é necessário comprovante de compra, mas esse tipo de crédito tem taxas de juros muito altas. "No nosso caso, a taxa era de 18%. A armadilha é que você fica constantemente usando essa linha de crédito. Foi aí que começamos, lenta mas seguramente, a entrar em uma espiral de superendividamento . Eu tinha que fazer hora extra para conseguir pagar todos os nossos empréstimos mensais. Estava ficando cada vez mais difícil", ele relembra.
Esses empréstimos são oferecidos por meio da abertura de contas em diversas lojas, como Carrefour, Auchan, Darty, Boulanger, Fnac e Castorama, permitindo que os clientes paguem em dinheiro ou a crédito no caixa, mesmo para pequenas quantias. "Até pagávamos nossas compras de supermercado a crédito, para podermos comprar frutas, verduras e carne", acrescenta Bruno. Enquanto isso, o carro deles chegou ao fim de sua vida útil e precisou ser substituído, o que os obrigou a fazer outro empréstimo. "Foi aí que começamos a consolidar nossas dívidas. Nos endividamos ainda mais; comecei a trabalhar 12 horas por dia na Alemanha e não conseguia mais ver meu filho crescer", continua o homem de Moselle.
A família mergulhou numa espiral de dívidas que duraria 12 anos. "Acabamos com uma dívida de cerca de 50.000 euros e sete empréstimos em aberto." Empréstimos que conseguiam obter com muita facilidade. "Naquela época, bastava apresentar um bom recibo de vencimento e pronto; pedir dinheiro emprestado era incrivelmente fácil. Era tentador; pensávamos que um dia iríamos pagar, mas era impossível. Mas com as taxas de juro a chegar aos 20%, era insustentável a longo prazo", admite Bruno.
As más notícias não paravam de se acumular: constantes descobertos bancários, um banco que pressionava a família com taxas exorbitantes, aluguéis atrasados… O golpe final veio com a demissão de Bruno, já que sua empresa entrou com pedido de falência. Com as costas contra a parede, a família decidiu entrar com um pedido de renegociação de dívidas junto ao Banco da França, um processo facilmente aceito dadas as suas circunstâncias. Uma solução inevitável, porém traumática: “Você se sente um pouco como um ladrão, há um grande peso de culpa para carregar. Um administrador judicial chegou a vir à nossa casa, mas concluiu que não havia bens a serem penhorados. É muito desestabilizador. Minha esposa e eu entramos em depressão”, confessa o homem de Moselle.
Esse procedimento permitiu que a família suspendesse o pagamento do empréstimo enquanto aguardava uma decisão judicial. O auxílio-desemprego possibilitou que vivessem com relativa normalidade e proporcionou algum alívio. O caso foi então levado a um juiz e reclassificado como "falência pessoal", resultando na quitação total de suas dívidas, que totalizavam mais de € 50.000.
Um "milagre"Este procedimento de "falência civil" é específico da Alsácia e da Mosela, que conservam uma legislação local singular, herdada da época em que esses departamentos faziam parte do Império Alemão. Ele permite a quitação total das dívidas de uma pessoa física, conforme decisão judicial. Para ser elegível, é preciso residir na Alsácia-Mosela (Baixo Reno, Alto Reno ou Mosela), ser pessoa física sem fins lucrativos e estar em situação de superendividamento irreversível. O objetivo é dar à pessoa uma segunda chance, livrando-a de suas dívidas. Trata-se de um recurso mais drástico do que o superendividamento tradicional, pois não é administrado pelo Banco da França, mas sim por um tribunal. O juiz pode ordenar a venda de todos os bens pessoais (carro, móveis, etc.).
Assim como em um procedimento padrão de negociação de dívidas, a pessoa é registrada no Cadastro de Inadimplência da Federação Bancária Francesa e fica impedida de obter crédito por vários anos. Ela pode, no entanto, possuir um cartão de débito com autorização sistemática (o pagamento só é aceito se houver saldo suficiente), mas o uso do cheque especial e pagamentos por cheque são proibidos.
Uma solução difícil, mas essencial para a família de Bruno. "Foi um alívio, um milagre em nossas vidas, porque um mês depois da sentença, consegui um emprego", conta. "Não vi a proibição de crédito como uma punição, mas sim como uma proteção. O que não nos impediu, anos depois, de fazer um empréstimo para comprar nossa casa. Recomeçamos do zero", explica hoje. Olhando para trás, ele percebe a armadilha em que caiu e lamenta que esses empréstimos sejam oferecidos com tanta facilidade. Para finalmente virar a página e se libertar da vergonha que os problemas financeiros costumam trazer, Bruno até mesmo colocou sua história no papel, escrevendo um livro.
(*) Nome alterado.
Le Progres




